Richard Zenith

ZENITH, Richard. Pessoa: Uma biografia. Tradução de Pedro Maia Soares. São Paulo: Companhia das Letras, 2022 [2021 ed. estadunidense].

Editor, pesquisador e tradutor de Fernando Pessoa há mais de trinta anos, Richard Zenith escreveu uma biografia que já nasce com o selo de obra de referência. Ao longo de mil páginas, dilui-se a tradicional imagem do autor português como alguém cujas criações teriam de tal maneira eclipsado o criador que seria supérflua a consideração de sua experiência mundana. O livro propõe-se a lançar luz justamente sobre o Pessoa de carne e osso, relacionando o homem cotidiano e o escritor compulsivo ao mapear a sua vida imaginativa.

Composto à maneira de um extenso romance – ou de um filme, conforme proposto pelo biógrafo –, o volume praticamente nos intima à leitura sequencial. Nenhum dos seus 76 capítulos foi intitulado, apenas as quatro partes em que se organizam: “O estrangeiro nato (1888-1905)” acompanha os primeiros anos de vida do futuro escritor em Portugal e depois na África do Sul; “O poeta como transformador (1905-14)” focaliza o progressivo amadurecimento do programa pessoano de transmutar as ideias e emoções de quem escreve nas de autores fictícios; “Sonhador e civilizador (1914-25)” realça a intensa participação de Pessoa na esfera pública, desde a efervescência de Orpheu até o neopaganismo da Athena; por fim, “Espiritualista e humanista (1925-35)” abrange o período em que o autor mais se interessou por fenômenos sobrenaturais e pelo mundo espiritual, até se posicionar firmemente contra o regime salazarista e quaisquer formas de opressão.

O obstinado acompanhamento de episódios históricos confere profundidade a esse retrato humano de Pessoa, cuja existência passa a compor mais uma peça de um enorme mosaico relativo a passagens marcantes da história dos dois países onde viveu. Evocadas com riqueza de detalhes, elas não apenas dinamizam a paisagem no fundo da tela, mas também, por vezes, matizam as opiniões do próprio biografado a respeito delas. Sem incorrer em anacronismos, o biógrafo tampouco se esquiva de abordar tópicos controversos da vida de alguém nascido no século XIX, mas que interessam ao público leitor do XXI, tais como colonialismo, racismo e sexualidade.

Tendo em vista a veracidade factual ao se permitir escrever de forma agradável, Zenith alcança uma feliz conjunção entre o modelo biográfico anglo-saxônico, carregado de minúcias relativas ao sujeito biografado (devidamente anotadas e referenciadas), e o francês, menos ambicioso do ponto de vista informativo e mais próximo da ficção por seu tratamento literário. Assim, ao conciliar rigor investigativo e fluência expositiva, o seu livro se torna atrativo não apenas a especialistas, mas também à generalidade do público.

(Penteado, F. R.)