Alexandrino Severino

SEVERINO, Alexandrino E. Fernando Pessoa na África do Sul. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1983 (Ed. brasileira, 1969).

Escrita com rigor e modéstia, a tese de Doutorado de Alexandrino Severino defendida em 1966 junto à área de Literatura Portuguesa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, e originalmente publicada no Brasil, em 1969, e reeditada em Portugal, em 1983, é a referência de base sobre a assimilação cultural inglesa de Pessoa na África do Sul. O período pesquisado abrange uma década da vida do poeta, de sua chegada a Durban, em 1896, até o regresso a Lisboa, em 1905, já com 17 anos.

Na primeira das duas partes em que divide o trabalho, Severino recompõe pormenorizadamente a trajetória escolar de Pessoa na Durban High School, revelando vocação específica para a pesquisa de campo, ao inventariar a produção didática do poeta, suas provas e ensaios publicados em revistas escolares. Identifica a influência decisiva que recebeu de alguns docentes, como seu extraordinário professor de latim, o Headmaster Nicholas (cuja visão de mundo e constituição física se relacionam às de Ricardo Reis). Dedica-se, ainda, ao período em que Pessoa frequenta a escola Comercial, apresentando os programas dos exames que prestou. Detalha o contexto do recebimento do prêmio de melhor ensaio de estilo inglês, o Queen Victoria Memorial Prize, e, por fim, o aproveitamento de Pessoa no exame de admissão à Universidade do Cabo da Boa Esperança, que não chegou a realmente frequentar.

Na segunda parte do trabalho, Severino dedica-se à presença da literatura inglesa na obra de Pessoa. É esse o momento em que a expectativa gerada no leitor não é realmente atentida pela pesquisa, já que esta não lhe oferece análises literárias aprofundadas a partir das relações que identifica. Sua proposta e natureza são, a bem dizer, mais informativas do que propriamente hermenêuticas. Severino consulta diretamente os livros que Pessoa ganhou e adquiriu em Durban, levando em conta as anotações e os sublinhados em edições de Shakespeare, Milton e Carlyle, entre outros autores. Como ponto medular de sua leitura, propõe a associação entre a obra de Shakespeare e a poesia dramática de Pessoa e sua insinceridade patente. Em seu percurso, identifica, em seguida, a presença de Milton numa ode de Álvaro de Campos. O autor promove ainda o diálogo entre a obra do poeta e a concepção carlyleana de raça, além de analisar sua educação clássica e seu ensaio acerca de Macaulay. Trata-se, afinal. de grandes temas, que exigiriam um olhar mais detido sobre si, o que acabou sendo realizado anos mais tarde pela fortuna crítica do poeta.

São muitos os momentos em que Severino recorre ao estudo de Gaspar Simões, preenchendo as lacunas ali deixadas e corrigindo os equívocos cometidos, sem deixar, no entanto, de salientar os méritos do trabalho precursor. Outra presença marcante em seu texto são os estudos de Hubert D. Jennings, com quem Severino se correspondeu e que conheceu pessoalmente. Jennings foi reitor da Durban High School entre 1923 e 1935, autor de um livro que conta a história dessa escola e de trabalhos sobre a presença de Pessoa na mesma.

Neste pioneiro estudo de investigação genética, embora menos referido do que se esperaria, são muitos os frutos deixados para a crítica das influências e a crítica filológica, dominantes no novo cenário (sec. XXI) dos estudos pessoanos em Portugal.

(Gagliardi, C.)