Ángel Crespo

CRESPO, Ángel. La vida plural de Fernando Pessoa. Barcelona: Seix Barral, 1988.

A Vida Plural de Fernando Pessoa tem um lugar de relevo no desenvolvimento dos estudos pessoanos que não deve ser subestimado. Ángel Crespo foi o primeiro estudioso que, após a proliferação de críticas negativas e questionamentos de diversa índole contra a Vida e Obra de Fernando Pessoa: história de uma geração, de João Gaspar Simões, assumiu o desafio de contestar essa obra pioneira. Por esse motivo, não surpreende que seja em contraposição a esse livro colossal que surjam os maiores acertos desta segunda biografia, a qual, a seu favor, ainda contou com uma vasta quantidade de textos pessoanos publicados no intervalo entre os dois trabalhos. 

Num primeiro plano, Crespo atenua muitos exageros da narrativa “romanceada” de Simões, minimizando o impressionismo anedótico e concentrando-se em alguns dados concretos, de modo a apresentar uma biografia mais sintética que a anterior (420 páginas), além de menos intrincada. Esta moderação faz com que o trabalho responda melhor a correções biográficas pontuais, que efetivamente têm sido adiantadas por numerosos estudos mais recentes. Deste movimento revisionista também decorre que, à diferença de Simões, Crespo não descreva o autor como o mestre quase anônimo e quase inédito com que supostamente se depararam os jovens membros da Presença, em 1927, para salvá-lo espiritual e materialmente de um iminente esquecimento. Pelo contrário, Crespo considera, com maior atenção e interesse do que Simões, as relações de Pessoa com Pascoaes, com os camaradas do Orpheu e com outra série de amigos e associados que o acompanharam durante a vida, que não foi a de um alienado indiferente. Semelhante mudança na figuração geral do biografado permite-lhe explorar o modo como acontecimentos históricos, o diálogo com a tradição literária, bem como relações literárias e pessoais deram um enquadramento à obra. 

Contudo, apesar de representar um importante avanço nesta direção, Crespo não se vê livre de um tipo de preocupação intimista, semelhante à de Simões, a qual procura avaliar a origem do literário na baliza da sinceridade em oposição à artificialidade. Em repetidas ocasiões, na sua biografia, os interesses de Pessoa pelo ocultismo e pelo conhecimento esotérico servem para que o biógrafo afirme a sua idoneidade para fazer a discriminação entre o sincero ou confessional e o artificioso ou fingido. Esse mesmo traço afeta negativamente a visão que Crespo tem dos heterônimos, atribuindo-lhes um rígido essencialismo, que acaba por ser irreconciliável com a proliferação de traços indefinidos, relatos divergentes e outras reformulações periódicas que são próprias da obra pessoana nos termos em que ela foi legada à posteridade. 

(Uribe, J.)