George Monteiro

MONTEIRO, George. Fernando Pessoa and Nineteenth-Century Anglo-American Literature. Lexington: University Press of Kentucky, 2000.

Professor aposentado da Brown University, George Monteiro dedicou dois volumes de ensaios à obra pessoana, ambos pioneiros. No primeiro, The Presence of Pessoa: English, American and Southern African Literary Responses (Lexington: University Press of Kentucky, 1998), traçam-se, pela primeira vez, as influências exercidas pelo autor português sobre escritores anglófonos do século XX, tais como Lawrence Ferlinghetti e Allen Ginsberg. Já o trabalho seguinte, aqui comentado, adota perspectiva inversa, propondo-se a esquadrinhar os influxos da produção literária novecentista de língua inglesa sobre o próprio Fernando Pessoa.

Ainda que o recorte temático do estudo não fosse inédito à época da publicação – Monteiro reconhece, em mais de um momento, os débitos de seu trabalho para com o de pesquisadores que o precederam, sobretudo Jorge de Sena, Maria da Encarnação Monteiro e Alexandrino E. Severino –, seu caráter desbravador se sustenta em virtude da forma sistemática como se perseguem as referências de língua inglesa no universo pessoano. Em linhas gerais, trata-se de reconhecer, na prática, o papel central da literatura anglófona na obra de um escritor cujo período formativo se deu na África do Sul. Dito de outra forma, o ensaísta não se contenta em rastrear alusões laterais, mas antes se empenha em identificar, no âmbito saxão, as matrizes de textos indispensáveis de Pessoa.

Estruturado em dez capítulos que guardam relativa independência entre si, o trabalho focaliza  os seguintes autores: William Wordsworth, Thomas Gray, John Keats, Lord Byron, Elizabeth Barrett Browning, Robert Browning, John Ruskin, Alice Meynell e Caroline Norton, entre os britânicos, além de Edgar Allan Poe, Nathaniel Hawthorne e, naturalmente, Walt Whitman, quanto àqueles de nacionalidade americana. O que confere coesão ao livro é a observância, em todas as suas partes, das relações de discipulado mobilizadas pela heteronímia e do espelhamento destas no processo criativo pessoano. De fato, na mesma medida em que o inventor deles se engaja na criação de um Campos anterior à influência de Caeiro, George Monteiro experimenta forjar a imagem de um Pessoa que, insuflado por seus mestres de língua inglesa, esforça-se em emulá-los. Nesse sentido, é particularmente reveladora a proposta de que a célebre expressão “um drama em gente, em vez de em atos” ecoaria o princípio de “Action in Character rather than Character in Action”, formulado por Robert Browning, autor cuja influição em sua obra Pessoa busca diminuir em favor daquela exercida por Shakespeare.

Exemplos como esse se multiplicam no presente estudo: o Hawthorne de The Scarlett Letter, romance traduzido por Pessoa como A letra encarnada, estaria na origem da seminal “Autopsicografia”, bem como naquela do conhecido “Poema em linha reta”; os efeitos sonoros de “Ó sino da minha aldeia…” remontariam àqueles alcançados em “The Bells” por Poe, também responsável por “The Raven”, cuja versão para português por Pessoa, “ritmicamente conforme o original”, parece responder, ainda, ao trabalho precursor de Baudelaire, o qual se declarara incapaz de reproduzir em francês a sonoridade do texto de partida.

Semelhantes achados, aos quais se soma o de Caroline Norton como possível motivadora de “O menino da sua mãe” não se restringem, contudo, à simples verificação de influência. Seja no caso da hoje relativamente obscura autora britânica, seja naquele de William Wordsworth, costumeiramente apontado como fonte de “Ela canta, pobre ceifeira...” – respectivamente fecho e abertura do livro –, George Monteiro deve o renovado interesse de seu estudo ao aprofundamento de tais relações.

(Penteado, F. R.)