SEABRA, José Augusto. Fernando Pessoa ou o poetodrama. São Paulo: Perspectiva, 1974.
O conhecido título de José Augusto Seabra é a versão portuguesa, publicada no Brasil, da tese defendida em 1971, sob orientação de Roland Barthes, intitulada Analyse structurale des hétéronymes de Fernando Pessoa: du poemodrame au poetodrame. Em resposta ao programatismo voluntarista defendido por Lind em Teoria poética de Fernando Pessoa, Seabra aborda teoria e criação como componentes que se interpenetram numa contínua encenação intertextual. Sublinhe-se, portanto, como traço de seu método crítico, a atenção conferida à relação dialógica entre a linguagem poética e a sua metalinguagem crítica.
Sua tese destina-se a iluminar a teia intertextual interna que conforma o conjunto estruturado da obra pessoana, destacando, sempre no âmbito da linguagem, as múltiplas conexões que os poetas líricos dramatizam entre si. Dando sequência a uma tarefa iniciada, a bem considerar, por Jacinto do Prado Coelho, Seabra identifica em todas as instâncias poemáticas, heterônimos e ortônimo, a reiteração dos seguintes binômios: “ser/não-ser”, “tudo/nada”, “dentro/fora”, “sentir/pensar”. Este o poemodrama, em função do qual o poetodrama se perfaz – intuição, aliás, apreendida de Casais Monteiro, e aqui levada adiante: ao invés de serem criadores de obras, os heterônimos são criados por elas, em segunda instância.
De acordo com o crítico, ao “falhar” na construção de um poema dramático, Fausto, e de um drama, O Marinheiro, em que não se verifica ação (sem drama, portanto), Pessoa vislumbrara a possibilidade de objetivar sua desintegração subjetiva. Assim, a dramaticidade da obra não se realiza dentro dos parâmetros do gênero, em atos ou ação, mas na sua transposição lírica para os heterônimos. Note-se que ao encará-los como subjetividades construídas dramaticamente, Seabra rejeita o diapasão psicológico de leitura, para considerar Pessoa como um ser de linguagem. Daí não procurar uma chave explicativa para a obra, tampouco resultar dessa abordagem uma nova imagem forte de Pessoa, a exemplo das produzidas por Gaspar Simões e Eduardo Lourenço, mas uma leitura sistemática do tecido intratextual composto por um conjunto solidário de réplicas e reiterações.
(Gagliardi, C.)