Teresa Rita Lopes

LOPES, Maria Teresa Rita. Fernando Pessoa et le drame symboliste: héritage et création. Paris: Fondatioon Calouste Gulbenkian/ Centre Culturel Portugais, 1977.

O monumental trabalho de Teresa Rita Lopes, fruto de uma tese de doutorado defendida em 1975 na Sorbonne Nouvelle, sob orientação de René Étiemble, jamais conheceu edição em português. A exemplo de José Augusto Seabra, a pesquisadora se mostra sensível à clave de leitura oferecida repetidas vezes a Fernando Pessoa, propondo-se a abordar de modo sistemático as implicações do conceito de “drama” na obra do escritor. Existem, porém, diferenças significativas entre as duas abordagens. Enquanto Seabra enfatiza o procedimento de “dramatização da linguagem” e deixa em segundo plano a produção dramatúrgica, Lopes não apenas confere a esta posição de destaque, como ainda estende o epíteto “dramaturgo” à íntegra da atividade criadora do autor.

Lopes sugere que seus antecessores teriam recusado a "chave" dramática repetidas vezes proposta pelo próprio Pessoa em virtude de buscarem, na obra deste, atributos tradicionais do gênero dramático que ela de fato não acomoda, o que os teria motivado a recorrer ao instrumental teórico da Sociologia, da Filosofia e da Psicanálise. A estudiosa, assim, ambiciona responder ao que qualifica como "mal entendido dos críticos". Para tanto, articula dois eixos de análise: no primeiro, devotado à herança do drama simbolista, examina as concepções estéticas defendidas pelos intelectuais do fin de siècle e observa que, à maneira deles, Pessoa procurou manter distância das convenções de gênero, engajando-se na criação de uma nova modalidade dramática – o “drama estático” – que se despojasse, em sua forma, de tudo o que houvesse de mais comum na dramaturgia até então vigente. No segundo eixo, por sua vez, busca demonstrar em que medida Pessoa supera o modelo simbolista, ao expandir o horizonte de análise para o conjunto da obra heteronímica, abrangendo não mais dramas da espécie de O marinheiro, mas alguns dos mais conhecidos poemas atribuídos à tríade Caeiro-Reis-Campos.

Nota-se, desde logo, a consistência com que Teresa Rita Lopes trata da natureza dramática dos textos pessoanos. Por um lado, ao se deter sobre os textos dramatúrgicos propriamente ditos, refuta o recorrente juízo segundo o qual Pessoa seria um “dramaturgo falhado”, defendendo que, não obstante se inspire na estética simbolista, em geral, e na obra de Maurice Maeterlinck, em particular, já O marinheiro apresenta maior apuro formal e psicológico do que as peças compostas pelo dramaturgo belga. Por outro lado, sublinha ser nas Ficções do interlúdio (título projetado pelo próprio autor para a reunião da obra heteronímica) que se manifesta o gênio dramático de Pessoa, marcando não apenas o distanciamento como a completa superação do modelo simbolista, por conduzir o drama para além da esfera dramatúrgica em sentido estrito. Em última análise, trata-se de oferecer uma visão de conjunto da obra pessoana, atentando aos binômios que a orientam: “ser/estar”, “tudo/nada”, “alma/corpo”, “vida/morte”, “sonho/realidade”. Semelhante empreitada, que, assim como a de Seabra, remonta àquela ensaiada por Jacinto do Prado Coelho, busca sua singularidade na obediência a critérios promovidos pelo próprio autor.

Há que se destacar, por fim, a presença, nos anexos, de quatro peças teatrais inacabadas de Fernando Pessoa, para as quais Teresa Rita Lopes propôs uma organização textual retomada por outro editor apenas quarenta anos depois. Tem-se, assim, outra dimensão pioneira deste alentado trabalho, na medida em que proporcionou efetivo alargamento do que então se entendia por drama e teatro em Pessoa.

(Penteado, F. R.)